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Dificuldades na escolha de instrumental

04/03/2013

Por Gisele A. da Silva Alves

A nosso convite, a Profa. Dra. Natália Martins Dias respondeu às questões da seção de dúvidas frequentes dessa atualização. A Profa. Dra. Natália é Psicóloga, formada pela Universidade São Francisco. Mestre, Doutora e pós-doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Bolsista FAPESP). Professora convidada do curso de especialização lato sensu em Psicopedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisadora do Grupo de Neuropsicologia Infantil (www.neuropsiinfantil.wordpress.com).

1) Quais são as principais dificuldades encontradas pelos profissionais psicólogos atualmente no que se refere a escolha de instrumental disponível para integrar a realização do processo de avaliação psicológica infantil?

A avaliação psicológica da criança é um processo complexo e que deve envolver diversas técnicas, dentre as quais se incluem os testes psicológicos. E, partindo da premissa de que os testes são utilizados para auxiliar ou orientar um processo de tomada de decisão a respeito de pessoas, há uma grande responsabilidade do profissional, que permeia desde a escolha do instrumento até o relato de seus resultados. E vale sempre lembrar que (Sim!) a avaliação e a escolha do instrumental utilizado em sua atuação é responsabilidade do profissional!

Absolutamente, a iniciativa do CFP com a criação do SATEPSI tornou essa tarefa muito menos árdua. Ainda assim, acredito que uma série de questões devem ser levadas em consideração ao ponderar sobre o uso deste ou daquele teste, por exemplo: Que informação eu posso obter com este instrumento? Essa informação é relevante frente à queixa? Outras fontes suprem essa informação? Como essa informação se integra a outras (oriundas de outros testes, da escola, da família, de outros profissionais) e pode me auxiliar em uma compreensão mais abrangente do caso?

Ainda, outras questões pertinentes seriam: Qual a disponibilidade de tempo (da criança e da família) para essa avaliação? Qual o custo envolvido (a família possui recursos)? Qual o esforço envolvido (por exemplo, no caso de um teste muito longo, se a criança consegue sustentar a atenção durante toda sua execução)? A criança foi submetida a alguma avaliação similar ou mesmo exposta ao mesmo teste em um período de tempo relativamente curto?

Isso sugere que o profissional deve ser bastante flexível e tentar ofertar o melhor serviço possível dentro das condições particulares de cada cliente/família. Essa preocupação na escolha do instrumental e na adequação do processo envolve não apenas, mas primariamente, questões que deveriam ser endereçadas desde a formação. Assim, respondendo mais diretamente à questão, uma das dificuldades encontradas pelo profissional na escolha de instrumentos disponíveis ainda é uma formação insuficiente em avaliação psicológica. Embora necessário, não é suficiente conhecer e saber aplicar testes.

Considere, por exemplo, uma família que, encaminhada pela escola, solicita avaliação para seu filho de 6 anos com ‘atraso no desenvolvimento’. Qual o número de sessões ideal para uma avaliação? E qual o número possível que se enquadra na realidade desta família? Talvez um instrumento longo que demande 2 a 3 sessões seja inviável. É necessário repensar alternativas e flexibilizar o processo ou corre-se o risco de não se finalizar a avaliação e de se oferecer muito pouco à criança. Entendo (e respeito) que esse pensamento não seja consenso entre colegas. Mas acredito que a formação deveria prover ao profissional condições e autonomia para esses questionamentos e para flexibilização da escolha de testes e do processo de avaliação.

Ainda, outro aspecto que se pode mencionar refere-se à carência de instrumentos disponíveis. Claro que é preciso considerar as diferentes áreas, contextos e objetivos da avaliação e é possível que em determinados contextos essa carência se faça sentir mais do que em outros. Porém, é fato que em determinadas áreas de inserção da psicologia ainda faltam instrumentos de avaliação. Por exemplo, com relação à queixa escolar, uma fonte importante de encaminhamento para a clínica psicológica durante a infância, quais instrumentos disponíveis o profissional possui para mensurar construtos como as competências aritmética e de leitura e as habilidades cognitivas que subjazem tais competências (que envolvem atenção, memória, linguagem, velocidade de processamento, funções executivas, só para citar algumas)?

Ainda maior é a carência de instrumental para avaliação de crianças em idade pré-escolar, uma demanda crescente da área. É necessário desenvolver, adaptar, investigar as características psicométricas e disponibilizar novos instrumentos aos profissionais da área. Felizmente, diversos grupos de pesquisa no país têm dirigido seus esforços a esta questão.

2) Frequentemente a demanda para a avaliação psicológica infantil surge do contexto escolar, uma vez que são evidenciadas nesse contexto habilidades cognitivas e queixas relacionadas ao baixo desempenho escolar, dificuldade de concentração, na leitura e escrita e de relacionamento social com colegas e professores. Nesse sentido, quais são as contribuições da neuropsicologia para o processo de avaliação e para o planejamento de intervenções terapêuticas específicas?

A neuropsicologia pode contribuir grandemente à avaliação e ao direcionamento da intervenção. Tradicionalmente, a neuropsicologia é entendida como a ciência que busca compreender a relação entre a atividade do sistema nervoso e o funcionamento psicológico. Porém, a neuropsicologia sofreu, a partir da década de 60, grande influência da psicologia cognitiva, o que deu origem à chamada neuropsicologia cognitiva. Esta nova ciência, passou a ter como foco o estudo do processamento da informação, isto é, das diferentes operações mentais que são necessárias para a execução de uma dada tarefa.

A partir deste entendimento podemos compreender que a avaliação neuropsicológica não visa apenas chegar a um escore que identifique onde, em relação a um grupo de referência, o indivíduo se encontra. Ela visa suplantar a quantificação de seu desempenho e oferecer uma interpretação dos processos subjacentes a esse desempenho. Por exemplo, considere uma criança encaminhada com uma queixa de dificuldade de leitura. Um teste nos ofereceria um escore que poderia indicar se esta criança apresenta um desempenho dentro da média para sua idade ou escolaridade ou se está acima ou abaixo em relação a seu grupo de referência. Pautada na neuropsicologia cognitiva, o objetivo da avaliação seria identificar a causa deste desempenho: As estratégias de reconhecimento de palavras (logográfica, alfabética e ortográfica) estão funcionais? Há fluência de leitura? Os processos de compreensão estão preservados? Em suma, a avaliação neuropsicológica visa responder à pergunta: Que habilidades específicas estão comprometidas (ou não desenvolvidas) e poderiam explicar as alterações/dificuldades em seu comportamento/desempenho?

Assim, a avaliação pautada na neuropsicologia cognitiva procura destrinchar habilidades complexas em componentes mais elementares e, neste sentido, permite delinear um perfil de funcionamento do indivíduo, identificando áreas comprometidas e também aquelas preservadas. Neste sentido, ela pode auxiliar não somente para tomar decisões diagnósticas, mas também para desenvolver programas de reabilitação, pois permite sugerir intervenções mais precisas e focais e, portanto, também mais eficazes.

Para aprofundar o entendimento sobre a avaliação neuropsicológica sugiro:

Seabra, A. G., Dias, N. M. & Macedo, E. C. (2012). Neuropsicologia cognitiva e avaliação neuropsicológica cognitiva: contexto, definição e objetivo. Em: A. G. Seabra & N. M. Dias (Orgs.), Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Atenção e Funções executivas. Vol 1. São Paulo: Memnon.