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Reflexões acerca da Avaliação da Personalidade em Crianças

04/03/2013

Por Lucas de Francisco Carvalho

O presente texto tem como objetivo trazer uma breve reflexão acerca do campo de avaliação da personalidade com crianças. Mais especificamente, são apresentadas informações em relação à disponibilidade atual de ferramentas psicológicas para avaliação da personalidade com esse público. Com vistas à contextualização do texto, é necessária uma rápida retomada do conceito de testes psicológicos no Brasil.

No Brasil, os testes psicológicos são compreendidos, de acordo com o artigo primeiro da Resolução CFP no 002 de 2003, como “...procedimentos sistemáticos de observação e registro de amostras de comportamentos e respostas de indivíduos com o objetivo de descrever e/ou mensurar características e processos psicológicos, compreendidos tradicionalmente nas áreas emoção/afeto, cognição/inteligência, motivação, personalidade, psicomotricidade, atenção, memória, percepção, dentre outras, nas suas mais diversas formas de expressão, segundo padrões definidos pela construção dos instrumentos.”. Por meio dessa Resolução pode-se verificar uma ampla gama de construtos que são considerados como psicológicos. Apesar disso, é questionável o quanto a cada um desses construtos pode, de fato, ser atribuído um peso psicológico preponderante em relação a outras áreas do conhecimento (como a neurologia, a psiquiatria, entre outros).

Diferentemente, é possível reconhecer alguns construtos que dificilmente seriam criticados por serem considerados como tipicamente psicológicos, como é o caso da inteligência e da personalidade. Nesse mesmo sentido, é possível verificar que são esses os dois construtos, dentro da psicologia, com maior número de publicação ao longo dos anos. Especificamente em relação à personalidade, um rápido levantamento (fevereiro de 2013) nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic) disponibiliza mais de quatrocentas publicações e setenta publicações, respectivamente.

Parte expressiva das publicações tratando da personalidade, seja em âmbito nacional ou internacional, refere-se à avaliação desse construto. Tratar da avaliação da personalidade engloba aspectos diversos, desde quais são as ferramentas mais adequadas para esse fim até quais são as características que devem ser avaliadas no processo. Nesse campo, ainda que a ciência trabalhe a partir do acúmulo de informações de pesquisas realizadas e, portanto, o número expressivo de publicações seja bem-vindo, deve-se considerar também que há pouco consenso para questões fundamentais. Quais características devem ser consideradas na avaliação da personalidade em um determinado contexto? Como eliminar a desejabilidade social nas avaliações realizadas? Instrumentos de quais naturezas devem ser utilizados para quais finalidades avaliativas? Essas são algumas das questões que persistem sem uma resposta consensual.

A partir disso, é possível verificar que o campo da avaliação da personalidade é rico em informações acumuladas, mas também permeado por questões elementares ainda não respondidas. Nessa conjuntura, a avaliação da personalidade com crianças configura-se como uma área talvez um pouco mais espinhosa, pois somam-se aí outros elementos fundamentais de impacto na avaliação da personalidade. Entre esses elementos, podem-se apontar ao menos dois de importância preponderante, sendo eles, a avaliação da personalidade em um período de expressiva mudança psicológica, e a natureza e formato dos instrumentos utilizados para avaliação, já que o uso de determinados vocábulos e expressões podem comprometer o entendimento da avaliação.

Nesse sentido, dois obstáculos que se colocam na avaliação adequada da personalidade estão relacionados com a possibilidade de mudança significativa nas características da personalidade do indivíduo e a dificuldade em acessar factualmente as características que compõem o construto. No primeiro caso, a implicação é concernente a lacunas de conhecimento quanto ao desenvolvimento da personalidade. E, no segundo caso, a implicação está diretamente relacionada à inexistência de uma tecnologia atual que permita o acesso a características da personalidade sem a interferência de outros processos cognitivos (como a linguagem, a inteligência, entre outros).

Possivelmente por essas questões, entre outras relacionadas à avaliação da personalidade em crianças, os instrumentos para essa finalidade são escassos no Brasil. Basicamente, são dois instrumentos com o parecer favorável pelo Conselho Consultivo do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) que podem ser utilizados para avaliação da personalidade com o público infantil, sendo eles, a Escala de Traços de Personalidade para Crianças (ETPC) e o House-Tree-Person (HTP, Sistema de J. N. Buck). Vale ressaltar que, em relação ao HTP, não constam no manual tabelas normativas.

A partir disso, fica claro que o instrumental a ser utilizado pelo psicólogo no Brasil é escasso para avaliação da personalidade em crianças. Apesar disso, podem ser encontradas na literatura algumas pesquisas, utilizando amostras infantis, com instrumentos disponíveis em âmbito nacional. Exemplo disso são as Pirâmides Coloridas de Pfister, o Zulliger e o Rorschach, contudo, esses dados ainda não estão contemplados pelos manuais dessas ferramentas.

Considerando a lacuna no campo da avaliação da personalidade em crianças no Brasil, é importante que profissionais e pesquisadores da área desenvolvam estudos na tentativa de responder as questões típicas desse campo. Qual o impacto do desenvolvimento natural na infância na avaliação das características da personalidade? Quais elementos são necessários para um instrumento avaliar a personalidade adequadamente nesse período? Quais estratégias podem ser utilizadas para diminuir o viés da compreensão em leitura e outros elementos cognitivos para avaliação da personalidade nesse período? Entre tantas outras que permeiam a área.