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Com Dr. José Humberto da S. Filho e Dr. Edgardo Perez

09/11/2011

Por Rodolfo Ambiel

Nesta edição do Boletim em Foco, os entrevistados foram Dr. José Humberto da Silva Filho, professor da Universidade Federal do Amazonas, e Dr. Edgardo Perez, professor da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina. Na entrevista, os convidados falaram sobre as especificidades na utilização e prática dos testes psicológicos nos dois países, bem como sobre leis e normas profissionais. A partir do texto é possível perceber que há pontos em comum no que toca à utilização de testes psicológicos nos países e também quanto a formação, que parece ser ainda deficitária em ambos; contudo, pode-se observar também que o Brasil se encontra em um patamar mais avançado, especialmente em relação à fiscalização no processo de produção e comercialização dos testes.

 

José Humberto da Silva Filho

1. O ano de 2011 foi instituído pelo CFP como o Ano Temático da Avaliação Psicológica. Que avanços você espera para a área a partir das discussões que estão sendo realizadas?

Esta iniciativa do CFP foi muito importante para toda categoria. A área de Avaliação Psicológica tem alcançado imensa visibilidade nos últimos anos, tanto na comunidade cientifica, quanto na sociedade. No entanto, a reflexão deste “fazer” do psicólogo ainda carece ser aprofundado nas escolas de psicologia, nos CRP’s, entre os profissionais já em exercício, sejam estes psicólogos da área de Avaliação Psicológica ou não. Apesar dos avanços da área, ainda é comum encontrarmos dentro das próprias escolas de psicologia atitudes de preconceito com a testagem e com a Avaliação Psicológica, por parte dos próprios colegas. Portanto, o avanço que eu espero com este ano temático é o aprofundamento das discussões acerca da Avaliação Psicológica, com a produção de idéias inovadoras para a área, a superação de mitos e o reposicionamento (e o reconhecimento) desta área de mensuração de comportamentos ao seu devido lugar na produção da ciência psicológica. Esta é uma das áreas que mais claramente define a atividade privativa do psicólogo. No entanto, têm sido fartamente identificados pelo CFP, CRP’s, Grupos de Trabalho e pesquisadores, os problemas decorrentes da deficiência na formação profissional. Principalmente a utilização inadequada de instrumentos de medida, problemas legais para profissionais relacionados às imperícias no exercício da profissão, e prejuízo social para toda categoria. Espero que este ano possa colocar estes temas quentes na pauta para um aprofundamento das discussões na categoria.

2. Qual sua opinião a respeito da atual definição de teste psicológico, contida no Artigo 1º da Resolução CFP 02/2003 (http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/legislacaoDocumentos/resolucao2003_02.pdf)?

A definição da Resolução é técnica, clara e objetiva. Define teste psicológico como sendo instrumentos de avaliação ou mensuração de características psicológicas. É uma definição cuidadosamente elaborada visando conceituar e expressar de forma operacional a que a nossa categoria entende por teste psicológico.

3. Desde 2003, a comercialização e uso dos testes psicológicos no Brasil é mediada pelo CFP, por meio do SATEPSI, embora a legislação assegurando o uso privativo dos testes para psicólogos seja antiga. Qual sua opinião sobre essa função do CFP?

Os testes psicológicos, por sua natureza (de mensuração de amostras de comportamento), precisam ter sua comercialização e utilização controlada. Pois, não se pode perder de vista a importância da repercussão que um laudo decorrente da Avaliação Psicológica pode vir a ter na vida das pessoas (decisões clínicas, decisões em concursos públicos, decisões dentro das organizações, decisões na esfera jurídica, etc). O teste psicológico é um instrumento de trabalho do profissional psicólogo, apesar de existirem testes que, por sua natureza encontram-se em áreas de interface profissional e para estes casos talvez tenhamos a necessidade de aprofundamento de algumas reflexões. No entanto, é função precípua do CFP (e CRP’s) zelar pelo bom exercício da profissão na sociedade. Isto inclui zelar pela qualidade técnica dos instrumentos psicológicos. Entendo também, que com o mesmo cuidado deveríamos também zelar da qualificação técnica dos próprios psicólogos avaliadores. Pois, em algumas técnicas de exame, a excelência da perícia técnica não está no instrumento de medida e sim no próprio avaliador. O CFP promoveu um imenso avanço na categoria com a criação do SATEPSI. Mas, pela sua natureza, e talvez também pelo momento histórico e político da própria psicologia no Brasil, este Sistema priorizou apenas aos instrumentos. Portanto, levando-se em consideração que a Avaliação Psicológica é uma função eminentemente PRIVATIVA do psicólogo e que esta função contribui enormemente na definição da identidade da profissão, creio que valeria a pena voltar a refletir se a ação do CFP deveria se restringir apenas aos instrumentos, ou se deveria se estender também aos próprios profissionais, exigindo destes uma qualificação especifica para este exercício profissional. Pois, entendo que por maior e melhor controle técnico que o CFP possa ter sobre os instrumentos visando zelar pelo bom exercício da profissão, ele não será tão eficiente se não houver simultaneamente um controle semelhante acerca da qualificação técnica dos profissionais que as utilizam.

4. Qual a sua opinião sobre a restrição dos testes somente a psicólogos, como acontece atualmente?

Como me referi antes, existem testes que são tipicamente psicológicos e que fornecem os principais fundamentos para uma Avaliação Psicológica. No entanto, existem outros testes cujos construtos são de áreas que poderiam ser reconhecidas como de interface profissional entre a psicologia e outras profissões (medicina – sobretudo a psiquiatria e neurologia; pedagogia, fonoaudiologia, administração – sobretudo RH, dentre outras). Portanto, esta questão pode nos evocar algumas reflexões sobre o uso dos testes dos pontos de vista técnico, político e jurídico. Inicialmente, sob estes três pontos de vista, eu acredito que se possa encontrar consenso que a atividade profissional de Avaliação Psicológica é PRIVATIVA do psicólogo. Faz parte da essência da profissão (conforme definida pela Lei 4.119/62 e pelo Conselho Nacional de Educação do MEC – Resolução 08/2004) e por isso deve ser uma atividade restrita a este profissional, tal como se entende atualmente. No entanto, se falarmos apenas de testagem (e não de avaliação psicológica) podemos nos deparar com outros entendimentos. De uma forma meramente didática (se isto for possível) podemos tentar refletir separadamente os pontos de vista técnico, político e jurídico desta questão. Do ponto de vista meramente técnico, a questão mais relevante na utilização dos testes talvez seja a habilitação profissional e a competência do profissional para sua aplicação, apuração e interpretação dos resultados. Temos como exemplo de uso – na prática não exclusivo por psicólogos – do Inventário de Depressão de Beck (BDI), originalmente publicada no Brasil pela Revista de Psiquiatria Clínica em 1998 (vl 25, n.5) usada desde então e até hoje por vários médicos psiquiatras. Posteriormente este teste foi publicado pela Casa do Psicólogo (2003) como sendo de uso privativo dos psicólogos, aprovado pelo SATEPSI. Tenho ouvido várias opiniões (de psicólogos e não psicólogos) onde se reflete que em momentos do exercício profissional em áreas de interface – neste exemplo a psicologia e medicina – o uso de um teste – neste caso de depressão – por um médico parece tecnicamente justificável (pois, este profissional tem habilitação profissional para intervir em casos clínicos como este). Por isso, do ponto de vista meramente técnico, a questão mais relevante não é qual o profissional utiliza o teste, mas sim, quão qualificado é este profissional para este uso, cujos requisitos para este exercício estão previstos nas diretrizes da ITC (International Test Comission) que serviu de referência para elaboração da Resolução CFP acima mencionada. Citando ainda outros exemplos, pode-se observar na literatura atual que a elaboração e/ou adaptações de testes (que podem ser facilmente identificados como psicológicos) não têm sido uma produção exclusiva dos psicólogos. Voltando a citar a Revista de Psiquiatria Clinica como ilustração, vemos em quatro números dedicados exclusivamente a publicação (por não psicólogos) de vários instrumentos de mensuração de amostras de comportamento clinico (http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/index.html vl. 25, n.5 e n.6; vl 26, n.1 e n.2). São testes voltados para avaliar transtornos de humor, psicoses, transtornos do sono, transtornos alimentares, abuso de drogas e outras substâncias e muito mais. Além deste periódico indexado, existem várias outras publicações semelhantes no Brasil inclusive em livros, também medindo amostras de comportamento. Acrescentando ainda mais um exemplo, podemos citar outro teste produzido pela Editora Casa do Psicólogo, que não é de uso exclusivo do psicólogo “Matriz de habilidades e interesses profissionais” que pode ser usado por orientadores profissionais, orientadores educacionais, profissionais de gestão de pessoas, consultores de desenvolvimento de carreiras em organizações de trabalho, coaches de carreira e todos os profissionais engajados na tarefa de auxiliar pessoas a escolher e/ou planejar a carreira. Por isso, quando exponho aqui este ponto de vista meramente técnico, não me refiro à minha opinião pessoal. Me refiro primeiramente a uma realidade existente diante de nós. Ou seja, outros colegas, de outras áreas de interface com a psicologia, produzem e fazem uso de testes que poderiam facilmente ser qualificados como sendo exclusivamente psicológicos. Por outro lado, as técnicas da psicometria, por sua vez, já extrapolaram em muito a área da própria psicologia. Ela tem sido amplamente utilizada por psicólogos (alguns se denominando como também “psicometristas”), por estatísticos e outros profissionais de áreas de interface. Já há alguns anos têm-se observado a sua aplicabilidade em concursos públicos, avaliações educacionais (obrigatórias segundo normas do MEC), e também, na construção de vários novos testes (inventários, escalas, questionários, etc) em outras áreas de conhecimento. Observamos portanto, a grande contribuição que a ciência psicológica tem oferecido para outras ciências. E certamente devemos nos orgulhar, pois são contribuições de imenso impacto cientifico e talvez jamais vista, do ponto de vista metodológico.Esta realidade nos leva ao segundo ponto de vista, o meramente político. Ou seja, se os testes aprovados pelo CFP são de uso exclusivo dos psicólogos, se constituiria um exercício irregular da profissão um médico usar a Escala Beck? Ou ainda, se os psicólogos identificam na literatura bons instrumentos de mensuração de amostras de comportamento produzido por outros profissionais não psicólogos (ou seja, com bons parâmetros psicométricos de padronização, validade, fidedignidade e normatização brasileira), estaria ele (o psicólogo) também no exercício ilegal da profissão por não usar apenas os instrumentos aprovados no CFP? Esta questão nos leva a refletir sobre este delicado equilíbrio para um exercício profissional ético e saudável, sobretudo quando nos recordamos que as ações transdisciplinares e multidisciplinares são cada vez mais necessárias e estão cada vez mais valorizadas. Ainda do ponto de vista meramente político, pode-se argumentar que todos os psicólogos registrados nos CRP’s estão igualmente (e automaticamente) habilitados perante o CFP, para uso dos testes e para produção de avaliação psicológica, uma vez que a atividade é privativa do psicólogo. Ou seja, qualquer psicólogo, mesmo sem formação especifica, pode usar quaisquer testes desde que se digam e se assumam como competentes para tal. No entanto, encontramos distorções muito graves na nossa categoria em função disso. Alguns instrumentos psicológicos requerem anos de formação e treinamento, no entanto, têm-se observado inúmeros problemas pelo uso inadequado destes instrumentos por parte dos próprios psicólogos. Por isso, talvez tenhamos uma discussão política a amadurecer em relação a este ponto. Por isso, do ponto de vista político, será que seria razoável voltar a pensar, em relação às áreas profissionais de interface, o que de fato define a exclusividade de cada uma delas, sobretudo a nossa? E o que define as competências dos profissionais para utilização dos instrumentos de medida de comportamento (inclusive os próprios psicólogos)? Por isso, voltando a pensar em “Avaliação Psicológica”, visualizo que seja pacífico – tanto entre nós psicólogos quanto entre outros profissionais das áreas de interface – a compreensão de que esta função é exclusiva e privativa do psicólogo. No entanto, em relação à testagem, em determinados contextos onde a atuação profissional pode ser entendida como transdisciplinar, talvez este tema possa vir a ser discutível e quem sabe, melhor regulamentado. No entanto, se pudéssemos abordar este tema apenas do ponto de vista jurídico, certamente iríamos nos valer da Lei 4.119/62 que define como sendo privativo do psicólogo o uso de métodos e técnicas psicológicas para fins diagnósticos, a partir de onde o CFP regulamentou por Resolução o uso dos testes como sendo privativo da categoria uma vez que a Lei silenciava sobre este ponto em particular. Logo, do ponto de vista meramente jurídico, podemos nos deparar com uma disposição legal que pode não ser tão precisa quanto nós desejaríamos, e que, por esta imprecisão talvez possa estar sujeita aos manejos das técnicas jurídicas quando elas buscam encontrar respaldos para interpretações diferentes das que se fazem de forma corrente. Por fim, voltando a pensar na pergunta que deu origem a esta reflexão, qual seria a minha opinião sobre a restrição dos teste somente a psicólogos, eu diria que sou favorável a uma ampla discussão sobre este tema na categoria, de forma que integre pelo menos estes três pontos de vista que, na prático não vejo como podem ser analisados separadamente. Primeiramente (e por princípio) e também apoiado em todos os dispositivos legais existentes, eu estou certo que a Avaliação Psicológica é uma atividade privativa do psicólogo. No entanto, em relação à testagem (que pode ocorrer em áreas de interface profissional), eu particularmente gostaria muito de ouvir outras discussões, outras opiniões e outros pontos de vista para que eu possa com eles balizar a minha própria opinião.

5. No final da última década, iniciou-se uma discussão a respeito da necessidade da criação da especialização em avaliação psicológica, tendo sido observados, inclusive, algumas iniciativas nesse sentido. Você é favorável a essa prática? Por que?

Esta pergunta vem bem ao encontro do que eu já dizia anteriormente. Sou totalmente favorável a criação urgente pelo CFP da especialização em Avaliação Psicológica. Acredito ainda que esta área, pela sua importância e pela sua contribuição na composição da identidade profissional do psicólogo, precisa se configurar como uma área de especialização. Meus argumentos a este favor de certa forma já foram explorados nas questões anteriores e dizem respeito sobretudo ao maior controle que a própria categoria necessita acerca da qualidade das avaliações psicológicas produzidas no país. Por isso, acredito fortemente que a criação da especialidade em Avaliação Psicológica irá contribuir enormemente tanto para o avanço da ciência, o avanço da profissão com um “fazer” melhor fundamentado, com a correção de grande parte das distorções que existem atualmente dentro da própria categoria e consequentemente contribuirá para conquista de maior credibilidade social da própria profissão.

 

Edgardo Perez

1. Historicamente, como tem sido o desenvolvimento da avaliação e testagem psicológica na Argentina e qual a situação atual?

La psicología surge en Argentina vinculada a los tests psicológicos puesto que los primeros laboratorios y centros se ocupaban de la evaluación psicológica, primordialmente. Actualmente, se observa un desarrollo bastante promisorio con un creciente desarrollo y adaptación de escalas así como profesionales con formación doctoral que trabajan en la disciplina.

Tradução: A Psicologia surge na Argentina vinculada aos testes psicológicos, posto que os primeiros laboratórios e centros se ocupavam da avaliação psicológica, primordialmente. Atualmente, se observa um desenvolvimento bastante promissor com um crescente desenvolvimento e adaptação de escalas assim como profissionais com formação doutoral que trabalham na disciplina.

2. Há legislações específicas que rejam a atuação dos psicólogos na Argentina? Se sim, há algum tipo de restrição ou observação a respeito do uso de testes e instrumentos de avaliação psicológica?

Si, existe legislación específica emitida por el Ministerio de Salud y el Colegio de Psicólogos; sin embargo, en la práctica cualquier persona puede adquirir tests psicológicos y, eventualmente, utiizarlos, ese es un vacío importante en la legislación.

Tradução: Sim, existe legislação específica emitida pelo Ministério da Saúde e Colégio de Psicólogos. Sem embargo, na prática qualquer pessoa pode adquirir testes psicológicos e, eventualmente, utilizá-los, esse é um vazio importante na lesgislação.

3. De forma geral, como você avalia a formação em avaliação psicológica na Argentina?

En general es débil y solo comprende una asignatura en la formación de grado de la mayoría de las universidades argentinas.

Tradução: Em geral, é débil e só compreende uma disciplina na formação de graduação da maioria das universidades argentinas.

4. Há centros de pesquisa sobre avaliação psicológica? Se sim, onde?

El único centro específico es el Laboratorio de Evaluación Psicológica y Educativa, ubicado en la Facultad de Psicología, Universidad Nacional de Córdoba (http://www.unc.edu.ar).

Tradução: O único centro específico é o Laboratório de Avaliação Psicológica e Educativa, localizado na Faculdade de Psicologia, Universidade Nacional de Córdoba (http://www.unc.edu.ar).

5. Como é a produção científica da área? Existem periódicos específicos?

Existen varios investigadores prestigiosos que habitualmente publican artículos relacionados con la evaluación y medición psicológica en revistas nacionales e internacionales. La única revista específica en el área es Evaluar, del Laboratorio de Evaluación Psicológica y Educativa, Universidad Nacional de Córdoba.

Tradução: Existem vários investigadores de prestígio que habitualmente publicam artigos relacionados com avaliação e medição psicológica em revistas nacionais e internacionais. A única revista específica na área é Evaluar, do Laboratório de Avaliação Psicológica e Educativa, Universidade Nacional de Córdoba.